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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ecologia e História

Florestas, pererecas e peixinhos

Fui procurado pela imprensa para opinar sobre uma vistoria que a Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro faria ao noroeste fluminense, a partir de denúncias acerca de agressões ambientais. Respondi que o maior problema ambiental do noroeste fluminense é o desmatamento. Houve quem discordasse, considerando o problema social mais grave. Se me perguntassem qual o maior problema social do noroeste fluminense, continuaria com a mesma resposta: o desmatamento.
Interessado pela questão ambiental há 32 anos, felizmente libertei-me da oposição natureza-humanidade há muito tempo. Em minha concepção integrada, não se pode descartar a natureza quando pretendemos compreender os problemas sociais e resolvê-los. Pelo menos minorá-los. O noroeste fluminense apresentava, há quinhentos anos, uma cobertura vegetal nativa de 100%. A partir do século 18, começou o desmatamento. Hoje, a região conta apenas com 0,5% de matas. Quando se remove uma floresta, o solo fica exposto ao vento, à chuva e ao sol. Processos de intemperismo, de laterização e de erosão empobrecem o solo e afetam negativamente a agricultura. Pastando nas encostas e nos topos de morro, o gado pisoteia o solo e provoca erosão laminar, uma das mais sérias que existem. Sedimentos carreados pelas chuvas deslocam-se para os rios, ficando uma parte deles em suspensão e provocando turbidez. A outra parte se deposita no leito dos rios e cria assoreamento. Quando há florestas, cerca de 1/3 das chuvas fica retido nas folhas e volta à atmosfera por evaporação. O outro terço escorre pelos troncos e infiltra-se no solo, acumulando-se no lençol freático. O último terço escorre superficialmente para os rios. Removida a floresta, a água da chuva se abate diretamente sobre o solo e corre torrencialmente para os rios. Estes, já assoreados e despreparados para receber muita quantidade de água, transbordam. Do ponto de vista técnico e político, o desmatamento tem de ser entendido como destruição de ecossistemas com rica diversidade biológica e como geradora de empobrecimento social. Claro que este ciclo perverso não se limite a este processo, mas desempenha nele papel relevante para o êxodo rural. Para o noroeste fluminense, não bastam vistorias que detectem pontos de agressão ambiental e muito menos audiências públicas em que as pessoas, desinformadas, apresentam apenas suas reclamações pessoais.

A medida política seria a formulação de um plano de recuperação de nascentes, de rios, de florestas em áreas críticas, de proteção de várzeas, de diversificação da fauna nativa, de agropecuária, de núcleos urbanos e de criação de unidades de conservação. Há anos, luto pela proteção da Serra do Monte Verde, dos remanescentes florestais em torno de Raposo e das ilhas do Rio Paraíba do Sul por meio de três unidades de conservação.

O pensamento conservador, todavia, não alcança a importância econômico-social de tais políticas públicas. Quanto à fauna nativa, precisamos avançar em relação a duas atitudes: a primeira, manifesta na forma de pitacos superficiais, considera a proteção de uma espécie de perereca, de peixe ou de qualquer outra espécie como uma tolice, sobretudo se uma espécie vive no caminho de um projeto megalomaníaco do chamado desenvolvimento. A outra, sentimentalista, encanta-se com bichinhos fofos. Mais uma vez, é necessário politizar a questão da biodiversidade. Uma coisa é destruir exemplares de uma espécie, outra é levar uma espécie à extinção em nome do progresso. A biodiversidade presta serviços fundamentais aos humanos. Não fosse ela, não haveria oxigênio, água e alimentos para manter vivas pessoas que falam e escrevem bobagens.
Recentemente, um artigo escrito por 29 cientistas de renome internacional e publicado na famosa revista Nature levantou nove limiares planetários:

1-mudança climática,

2-empobrecimento da biodiversidade,

3- alterações do ciclo de nitrogênio

4- poluições químicas

5-lançamento de aerossóis na atmosfera

6- uso excessivo de água doce

7- mudanças no uso do solo

8- acidificações dos oceanos

9- o ciclo do fósforo.

Ultrapassados estes limiares, a vida da humanidade na terra estará correndo sérios riscos. O aquecimento global, que depende muito das florestas e dos oceanos; o empobrecimento da biodiversidade, onde se encontram as pererequinhas e os peixinhos; e os ciclos de nitrogênio já excederam os limiares de muito. Agora, a humanidade se empenha em ultrapassar os limiares dos outros seis processos em seu próprio benefício. Os mais cultos de nós são os piores, pois têm mais poder econômico, político e intelectual.
Assim, a perereca Physalaemus soaresi e o peixe Notholebias minimus são duas construções genéticas antiqüíssimas, muito anteriores ao ser humano. Se o Arco Metropolitano, em Seropédica, vai passar pela casa deles, que seja desviado em sinal de respeito.

FONTE:

Arthur Soffiati : Portal do Meio Ambiente / REBIA / Editor: Vilmar S. D. Berna - Florestas, pererecas e peixinhos
Ter, 03/Nov/2009 06:26

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